Governo estuda fundo privado para sustentar seguro agrícola

Seguro Rural 23 de agosto de 2016

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, abraçou o projeto que prevê a criação de um fundo privado para financiar o seguro rural no país. Discutido há mais de uma década no setor e já bastante conhecido pela área técnica do governo, o plano tem potencial para livrar a ferramenta dos recorrentes contingenciamentos que prejudicam o programa nacional de subvenção aos prêmios das apólices contratadas por agricultores e pecuaristas, mas esbarra na resistência das empresas em pagar por isso.

Maggi disse ao Valor, porém, que vem costurando no governo e articulando com seguradoras e entidades que representam produtores a formatação desse novo sistema, por meio do qual os recursos necessários para as subvenções seriam alimentados sobretudo por contribuições de tradings, fabricantes e revendedores de insumos, fornecedores de combustíveis, transportadoras e agentes que financiam atividades agropecuárias. Mesmo que a ideia prospere, pontuou o ministro, o governo continuará subsidiando parte das apólices, de forma a garantir que toda a demanda seja atendida.

Dependendo da cultura e da região, a subvenção oficial atualmente pode chegar a até 55% do custo das apólices. Maggi defende a tese – e nesse ponto ele tem apoio quase unânime do setor – de que é preciso reduzir esse peso e compartilhar riscos com o setor privado. “Daí porque a ideia é que os mais diversos fornecedores de crédito para a agricultura também contribuam para a formação do fundo”, afirmou Maggi. Uma grande empresa que forneça antecipadamente R$ 100 mil em fertilizantes a um produtor, por exemplo, teria que aceitar abrir mão de uma pequena parte desse montante para engordar o fundo. Nesse contexto, a “subvenção privada” será tanto maior quanto mais empresas e elos da cadeia participarem do processo.

Blairo delegou ao ex-ministro Alysson Paulinelli, que hoje preside a Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), a tarefa de coordenar um grupo de trabalho para estruturar o fundo e propor outras alternativas para solucionar os gargalos do seguro rural no país. O grupo já se reuniu uma vez, e a meta é construir uma proposta em até três meses. A segunda reunião será amanhã. Paulinelli quer que produtores, empresas e o próprio governo destinem recursos para o fundo voluntariamente, para que não seja necessário criar um novo imposto ou taxa. Ainda assim o fundo poderia arrecadar mais que o atual orçamento do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural, que conta com apenas R$ 400 milhões para este ano.

Entidades como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirmam que deveriam ser destinados ao menos R$ 1,1 bilhão para segurar um volume de R$ 30 bilhões em operações de crédito para custeio em todo país. “Se as indústrias participarem com o produtor dos contratos de apólice e eles escolherem juntos as seguradoras e as taxas, haverá interesse suficiente para reduzir o risco de toda a cadeia”, afirmou Paulinelli. O fundo foi inspirado no modelo da Espanha, que decidiu criar um fundo de catástrofe abastecido com uma taxa de 15% incidente sobre as receitas das seguradoras em resposta a um de seus piores desastres naturais, em 1978.

A adaptação do sistema para a realidade brasileira teve início em meados da década passada. Foi quando David Roquetti Filho, então executivo da Bunge Fertilizantes – hoje ele é diretor da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) – começou a apresentar a proposta a empresas e em Brasília. “Mas esse estudo tem que ser aprofundado, inclusive para que a governança do fundo seja burilada e fique bem definida”, disse Roquetti.

No Brasil também existe um fundo de catástrofe, que foi criado por uma lei de 2010 e que até agora não foi regulamentada. A aprovação dessa lei, aliás, também ensejou estudos da Agência Brasileira de Fundos e Garantias (ABGF) para a criação de um outro fundo privado para substituir o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), espécie de “garantidor de última instância” para os pagamentos do seguro rural em casos extremos de desastres. O FESR é acionado quando os níveis de sinistralidade superam, a depender do produto, 100%, 150% e 250%.

As análises sobre a criação desse outro fundo, que contaria com alguma participação do governo, também foram retomadas há alguns meses, mas o presidente da ABGF, Marcelo Franco, disse que os trabalhos estão no início e que qualquer alternativa não será implantada sem um processo de transição. Segundo Franco, a vantagem dos fundos privados é a celeridade nas ações, em especial na análise para o pagamento das indenizações. Mas ele ponderou que o modelo exige aportes de capital, o que é sempre mais complicado em tempos de ajuste fiscal.

O presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Wady Cury, entende que as discussões propostas pelo Ministério da Agricultura são positivas. Ele confirmou que o processo está em fase inicial, e destacou que é relevante definir se uma apólice deve ser de responsabilidade de apenas um ente (público ou privado) ou de todos os atores, uma vez que a atividade tem “múltiplos impactos” na sociedade. “A construção do modelo não é fácil, mas é preciso convergência”, disse Cury. Ele lembrou que aspectos como tempo de liberação de recursos, capacidade técnica e operacional, entre outros, precisam ser levados em conta.

Luiz Foz, consultor de bancos e seguradoras no segmento de seguro rural, advertiu que, apesar de estar em debate há anos no país, o modelo defendido por Blairo Maggi até agora não seduziu as empresas privadas do setor de agronegócios. “As empresas são categóricas em dizer: não aceitamos colocar dinheiro, nem 0,5% do nosso faturamento que seja. Quem deve pagar pelo risco são os produtores”, afirmou. Ele apoia a ideia de se pensar em uma solução privada para o seguro rural, que envolva grupos maiores de produtores que se juntam para contratar apólices, mas enquanto isso não se desenvolve no país, a melhor alternativa é melhorar o programa de subsídios do governo, com mais previsibilidade e planejamento. Nesse sentido, na gestão da ministra Kátia Abreu a ideia era tentar incluir os subsídios federais em lei para evitar o risco de contingenciamento. (Colaborou Fernando Lopes, de São Paulo)

Fonte: Valor Econômico – Cristiano Zaia e Fabio Graner | De Brasília